Moita Flores ou Quique Flores?
Quando o Verão era quente e o Outono outonal, ainda se conseguia perceber a diferença. Agora não; agora as estações têm títulos estrangeiros – o Verão é a “silly season”, o Outono a “rentrée”. Mudaram os tempos e até as temperaturas, mas não as vontades – o disparate institucionalizado, essa liberdade poética que era apanágio particular do Verão, prolonga-se agora pela “rentrée” adentro (passe o pleonasmo). O que vem novamente confundir todos os paradigmas.
A “silly season” existe desde que a nossa globalização tem legendas. No início, servia apenas para exonerar a estupidificação geral de um país de férias, desculpando uma certa leviandade assumida em que ninguém era punido por ler revistas cor-de-rosa e jornais de futebol. Depois apareceram os questionários de Verão, e toda a gente achou que era bom para a imagem levar um livro para ler nas férias ou “pôr a leitura em dia”. Pôr a leitura em dia, no Verão? Isso é quantos capítulos do último Margarida Rebelo Pinto? Tirando meia-dúzia de bloguistas e bloquistas, ninguém tem tempo para ler o que quer que seja no Verão – excepto manuais de telemóveis, bulas de medicamentos, saldos de multibanco e a entrevista “exclusiva” da nova namorada do Ronaldo.
O que nos sobra para a “rentrée”? O habitual: crime e futebol. Ou melhor, assaltos e Benfica. Ou seja, de uma forma indirecta, temos o Moita Flores (crime) e o Quique Flores (castigo, perdão, Benfica). No fundo, e como sempre, duas formas de impunidade com floreados. Veja-se o último Benfica x FCPorto: no estádio da Luz, um adepto invade o relvado para agredir o juiz-de-linha. Milhões viram em directo pela televisão. Crime e castigo? A Comissão Disciplinar da Liga decide criar uma manobra de diversão, punindo o central benfiquista Luisão com dois jogos de suspensão, com base numa eventual agressão registada em vídeo. Quem viu? Aposto que nem o Luisão viu. E o pobre do juiz de linha? Num Estado de Direito, uma agressão ao árbitro deveria ser sempre caso de polícia e não “fait divers” desportivo.
Mas ninguém pode acusar os portugueses de falta de imaginação: depois de meio ano a ser roubado no preço dos combustíveis, é natural que o meliante português decida iniciar o segundo semestre a assaltar gasolineiras. O método, infelizmente, continua a ser do tradicional pilha-galinhas: em vez de levar o barril de petróleo, os bandidos roubam 200 euros da caixa e alguns chocolates da montra. Mas a intenção está lá – roubar aos ricos – e foi, como se sabe, apadrinhada pelo primeiro-ministro José Sócrates. Alguém se lembra da “taxa Robin dos Bosques” que ele queria aplicar às petrolíferas? Claro que ninguém se lembra, isso foi muito antes da “silly season”...
(minha crónica do jornal METRO de 5 Setembro 2008)
Decomposição composta
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[image: Ana Fonseca, Paulo Duarte, «Corpo de homem encontrado na Praia da
Aguda em Vila Nova de Gaia», Correio da Manhã, 18/XII/24.]
Ana Isabel Fonseca, P...
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