sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Terramoto em Lisboa


Com a “ironia” que se lhe reconhece (ou que reconhecem aqueles que ouviam as suas larachas quando ela fazia parte dos Gato Fedorento), a líder do PSD, Manuela Ferreira Leite, sugeriu que “seria bom haver seis meses sem democracia em Portugal”, alegando que essa seria a única forma de garantir a reforma da Justiça em Portugal.

Confesso que, nos dias de hoje, tenho mais dificuldades em imaginar ou reconhecer Portugal com seis meses de democracia do que sem democracia (esta não reconheço). Maior dificuldade será dispormos de seis meses para “arrumar” uma democracia que nos valha (eu preciso de muito mais para arrumar a minha cozinha).

Com ou sem polissemias, o que me parece censurável é o facto de Manuela Ferreira Leite não explicar a ironia até ao fim. Não há nada pior do que uma anedota mal contada. Afinal, quando ela diz “sem democracia” estará a propôr alguma alternativa política ao país? Aguardo a punchline.

A maioria das pessoas que viveu o Abril de 74 associa a falta de democracia à presença inevitável de uma força ideológica mais forte ou centralizada – a ditadura tradicional. Mas o fracasso da democracia poderá sempre convocar duas realidades distintas: a “arrumação” através da ditadura ou a “limpeza” através do caos. Ora o caos tanto pode surgir por dentro (basta um mandato catastrófico de Sócrates ou António Costa) ou por fora (um terramoto como o de 1755, por exemplo).


E assim, depois de 51 semanas em que o caos surgiu por dentro, este fim-de-semana ele surgirá por fora: é que a Protecção Civil “planeia” um terramoto para a área metropolitana de Lisboa. Trata-se apenas de um simulacro com exercícios de sexta a domingo em zonas sísmicas como o CCColombo, Hospital Santa Maria, Faculdade de Ciências, Prazeres, Campo das Cebolas, Cais das Colunas ou Torre da Galp na Expo (onde “haverá” uma fuga de gás e incêndio no domingo de manhã). Vai ser o caos e a Trindade? Nada que esta cidade não esteja já habituada. Basta haver um fim-de-semana livre de manifestações de professores ou gincana de Fórmula 1 e alguém tem de inventar um terramoto.

Não sei se Manuela Ferreira planeia marcar já para este fim-de-semana o início dos seus “seis meses sem democracia” (vai ser uma espécie de digressão de banda rock, com muitas drogas, groupies e plasmas atirados pelas janelas dos quartos de hotel). Se assim for, acredito que ela queira comparecer a dois dos hot spots onde o terramoto irá fazer brechas.


Um deles, no Banco de Portugal, com “evacuação” programada para esta manhã (consta que Vítor Constâncio não foi avisado a tempo de propósito). Outro em Alcântara-Mar, onde sábado à tarde se prevê a “queda de um viaduto”, bem perto do “epicentro” dos contentores do Porto de Lisboa, cujo animado debate tem sido feito à revelia do principal partido da oposição. Não é pelo facto das placas tectónicas se moverem que o PSD sai do lugar. Este país precisa de um Big Bang. Preferivelmente sem ser simulado.

(Jornal METRO de 21 de Novembro 2008)

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