sexta-feira, 14 de novembro de 2008

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Hoje à noite no Lux, em Lisboa, vai haver uma baile de máscaras. O simpático convite enviado pela discoteca para o seu público selecto (isto é: eu) apresenta um enorme ponto de interrogação vermelho sobre fundo preto. Na outra face do convite, o rosto denunciador dos factos e respectiva ficção: “Quem és tu? Quem gostavas de ser? Que fantasia vestirias para este momento? Inventa um personagem”.

Uma vez que não conto estar presente no baile, deixei indicações ao mestre de cerimónias do Lux para consentir a entrada a todos aqueles que se apresentem disfarçados de “miguel somsen” à porta. A liberdade da criação é vossa. Devo no entanto avisar-vos que, apesar da minha beleza apolínea e sensual linguagem de corpo, estou neste momento transformado num tipo amargo, cínico, cabisbaixo e rancoroso. Logo, pouco dado a festas. Sendo assim, bastará chegar à porta em avançado estado de pessimismo para ser convidado pelo porteiro a entrar.

Mas que azia é esta? Eu próprio não sei. Em menos de 72 horas, tive duas razões para celebrar: a minha filha completou o seu primeiro ano de vida e, dois dias depois, Barack Obama foi eleito presidente da América e do mundo livre. Gosto desta terminologia orgânica que nos leva a acreditar num novo presidente americano capaz de suportar o fardo, não só da “América” como do “mundo livre” (ou o que resta dele). Mas alguém foi livre antes de Obama? Com a histeria que entretanto se viu, seria de pensar que não.


Na verdade, olhamos para os oito anos da administração Bush como um agrilhoamento submisso, a Europa sujeita aos caprichos de um homem medíocre e monossilábico, e isso impediu-nos de olhar ao espelho para constatar a nossa esquálida figura sob a sombra de Bush. Será preciso um político negro para nos libertar da “escravatura” a que nos fomos sujeitando em tempos de abundância?

É ridículo que seja Obama a recuperar nos europeus a estúpida responsabilidade ancestral que é herdeira do “fardo do homem branco”, uma espécie de máscara que a tradição imperial nos obrigou a usar em nome da honra, da conquista e das fronteiras. Mas é um risco que o mundo corre, o de inesperadamente a Europa voltar a ter as suas responsabilidades. É como se Bush nos tivesse saqueado a alma e agora, em tempos de paz, seja obrigado a devolvê-la, como uma peça de arte roubada durante a guerra.

E a partir de agora, como é: seremos todos Obamas? A mim basta-me pensar que agora passa a haver uma alternativa à actividade ideológica mais banal e mundana da última década – que é ser anti-Bush e, por consequência, anti-americano. O que Obama não conseguir garantir, espero que a minha filha obtenha por ela própria. A bem da humanidade, da nossa humildade - e do meu estômago.

(Crónica do METRO de 14 de Novembro 2008)

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