sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Miguel Esteves Cardoso


Ainda no jornal O Independente, lembro-me de uma vez o Vasco Pulido Valente me ter acusado de "pretender escrever como o Miguel Esteves Cardoso". Vindo de quem é, não poderia ser um elogio. De qualquer forma, essa descrição redutora sobre os colegas (Vasco Pulido Valente, num dos maiores erros da sua carreira, editava então o Caderno 3 de O Independente, e reduzia todos os jornalistas a "epígonos do MEC") acabou por dizer aquilo que era essencial saber sobre o bicho-homem Vasco Pulido Valente. Até hoje nada nele mudou.

Com muita pena minha, nunca trabalhei com o Miguel Esteves Cardoso nem com o Paulo Portas. Quando cheguei ao jornal, em 1992, salvo erro, eles já estavam de saída. Perdi o melhor, é verdade. O MEC era uma referência - pela coragem, o humor e o gosto musical. Uma vez encontrei-o na livraria Buchholz e cumprimentei-o, mais nada. Ele disse que "temos de falar". E por aí se ficou a conversa. Por outro lado, trabalhei num "outro" O Independente, com uma nova safra: Fernando Camacho, Pedro Marta Santos, Martim Avillez de Figueiredo, Luísa Jacobetty, Manuela Carona, Domingos Amaral e, o meu favorito, Sérgio Coimbra, que se auto-afirmava "um verdadeiro filho da puta" (ela era-o para todos, excepto para mim, por isso eu adorava-o). O "outro" O Independente manteve a inspiração, mas criou postura - ou melhor, impostura, atrevimento, insolência.

Olhando agora para trás, reconheço que a minha maior virtude foi nunca pretender escrever como o Miguel Esteves Cardoso. É verdade que ele tinha aberto a caixa de Pandora, e que a sua escrita nos "autorizava" a prevaricar, ou a soltar as amarras de um modelo tradicional de comunicação que o semanário Expresso havia institucionalizado. Mas seria uma estupidez copiar um "original", coisa que ninguém naquele jornal, mesmo os mais idiotas, foram suficientemente estúpidos para pensar fazer.

Esta semana, a revista Sábado abriu um destaque com o Miguel Esteves Cardoso. Na quinta página da entrevista, o visado explica um dos segredos do seu sucesso: "Comecei a tomar anfetaminas aos 14 anos. Nunca parava, 24 horas por dia, durante 15 anos. E estava sempre a beber. Cheguei a beber 4 garrafas por dia. Bebia álcool logo de manhã. Depois tomava cocaína, que tira o efeito do álcool, para trabalhar. Depois tomava Lexotan para relaxar. É horrível. Sempre que tomei cocaína foi para trabalhar. Nunca para me divertir. Para isso, tomava ecstasy. Era um bolo de coisas, todas a lutar umas com as outras, para me sentir como me sinto hoje sem nada - normal".

É uma pena o MEC agora nos vir confessar estas coisas, porque assim muita gente vai pensar que o seu talento não era inato.

6 comentários:

Beta disse...

delicious

jota disse...

Quantos de nós, que vivemos da criatividade, não teremos já pensado ultrapassar esta barreira? Não tanto para sermos melhores, mas, se calhar, para darmos MAIS do que vamos conseguindo dar...
A ideia de não parar, de não soçobrar perante o cansaço, é tentadora. A diferença - entre os que se deixam levar e os que se mantêm limpos – estará na capacidade de não nos deixarmos iludir e naqueles que escolhemos para ter ao nosso lado (a tal história das más companhias de que nos falavam os nossos paizinhos).

O talento, esse, não estará em substância de qualquer espécie. É, isso sim, a substância de que somos (ou não) feitos.

Lek disse...

Como podemos nós garantir que o "Golo do século" do Maradona não foi um golo "cocado"?

Anónimo disse...

eu vi logo que ele tinha uma cunha.

Anónimo disse...

eu vi logo que ele tinha uma cunha.

P.S. O Pedro Paixão é o maior.

Gi disse...

Ainda não comprei a Sábado, vi a capa, mas tenho os livros do MEC e, ao ler o título da Sábado, pensei, exactamente, o que referiste no parágrafo final.