terça-feira, 2 de setembro de 2008

O pré-pagamento precisa de um PREC

Please pre-pay


Os portugueses queixam-se do preço dos combustíveis, do congelamento dos salários, da estagnação da economia, queixam-se da corrupção da justiça, do défice, das arbitragens, queixam-se do fraco poder de compra, do endividamento generalizado, queixam-se de tudo e mais alguma coisa. A única coisa da qual os portugueses não se queixam é do “sistema de pré-pagamento”. É a instituição menos contestada do país.

Pré-pagamento é ir tomar um café ou uma cerveja ao balcão e ser obrigado a pagar antes de consumir – ou seja, ser atendido e demorado por duas secções, dois empregados, duas filas, dois pedidos, o dobro do tempo. Se lhe parece normal, caro leitor, é porque você já foi pré-programado. E pré-pagou.

O “sistema de pré-pagamento” pressupõe a complicação de uma coisa simples. Significa, precisamente, a criação de “um sistema” - um sistema de organização e planeamento obscuro, algo semelhante ao fantasma do “sistema” apregoado pelos dirigentes desportivos portugueses que foram, aliás, os inventores do próprio sistema que agora censuram. Ninguém sabe de onde veio, nem para onde vai, nem por que existe.

O sistema de pré-pagamento vulgarizado pelos estabelecimentos comerciais em Portugal traduz uma manobra concertada desconcertante - dos portugueses contra os portugueses. É uma revolução silenciosa, arquitectada pela calada da noite, para nos surpreender ao raiar do dia. Todas as manhãs, quando tomamos a bica e o pastel de nata ao balcão, eles obrigam-nos a pré-pagar. A organização é tão totalitária quanto internacional: em certos estabelecimentos já é possível encontrar-se um sistema para inglês ver: o chamado pre-payment.

O pré-pagamento não nasceu com a nacionalidade – surgiu uma centena de anos depois, quando se percebeu que a maioria dos portugueses seria capaz de fugir sem pagar o café que consumiu naquela manhã. Pessoalmente, nunca vi isso acontecer. Mas também nunca presenciei assaltos a bancos e sei que às vezes os bancos são mesmo assaltados.

Em Portugal, pagamos tudo a crédito porque essa é a única forma da banca e do comércio nos conseguirem vender alguma coisa. Uma vez que não temos dinheiro, acreditamos que vamos ter daqui a seis meses (os bancos, mais sábios, continuam a capitalizar a nossa ingenuidade em juros). Tudo o que seja pagar de outra forma, é para desconfiar. Pagar uma casa a pronto, com dinheiro na mão (como os ciganos fazem no Algarve para depois obter indemnizações valentes) é suspeito. De onde veio esse dinheiro, menino? Este é um país de desconfiados, com jeito para o fado e para o fiado. Somos por natureza maus pagadores. E tal como o banco não confia nos portugueses, os portugueses também desconfiam uns dos outros. Isto vai do imposto de siza ao preço do rissol. Para tudo é preciso meter algo ou alguém ao barulho – seja um advogado ou um bilhete com o comprovativo de pagamento. Em suma, burocratização.

O pré-pagamento precisa urgentemente de um PREC. Por outro lado, nenhum “processo revolucionário em curso” o salvará. O que é preciso é um golpe de misericórdia, não uma solução de compromisso que se arraste no tempo, pelo meio de comissões. Ninguém neste país resolve nada, excepto o Liedson. E nem esse é titular.

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