sexta-feira, 6 de março de 2009

Comer beber homem mulher


Um amigo meu, que tem muitas namoradas (ou apenas uma namorada e muitas concubinas, ainda não percebi bem), telefona-me regularmente de casa a pedir novos restaurantes onde possa levar as namoradas e as concubinas (preferivelmente para mesas e contas separadas). “Olá Miguel, esta semana estou com uma namorada enóloga e queria jantar num restaurante com uma boa carta de vinhos. Sabes de algum?”.

Como ele vive em Oeiras e conduz mal e porcamente, eu tento sempre enviá-lo para um restaurante onde ele se possa deslocar de automóvel - em linha recta. Portanto será sempre mais complicado sugerir que ele vá ao fantástico 2780 Taberna, em Oeiras, porque até lá chegar (a Taberna é a 500 metros de casa) ele teria de enfrentar um quarteirão de sentidos proibidos e sinais de stop.

Sendo assim, para ninguém correr riscos, a sua linha recta Oeiras-Lisboa acaba invariavelmente na Praça da Ribeira, onde estão três excelentesrestaurantes – o tailandês Yasmin, o sul-americano La Moneda e o recente Sommer (cozinha internacional feita por um casal de portugueses). Parece que o Sommer foi mesmo boa aposta: a enóloga gostou dos vinhos, o meu amigo gostou do caminho mais curto entre dois pontos. São assim os atalhos do amor.

No fim de semana passado, para fugir à rotina geométrica dos afectos (grande frase), mandei o meu amigo para o Bocca, que fica na Rodrigo da Fonseca, em Lisboa. O Bocca foi o melhor restaurante onde jantei em 2008, mas isso não sensibilizou o pobre comensal, que pagou cerca de 200 euros por uma refeição de casal que incluía “uns fios de pato que mais pareciam cabelos, com uma bola de algodão doce”. Consta que acabaram os dois a cear no McDonald’s da Brancaamp.

Desde que jantei no Bocca, no Verão passado, não voltei a testar o restaurante, mas custa-me a acreditar que seja preciso acamar uma refeição de 200 euros com uns hamburgeres de 1 euro na esquina. Gostaria que este texto não dissuadisse os leitores de experimentar a cozinha superlativa de Alexandre Silva, um dos melhores chéfs nacionais com menos de 30 anos. Mas posso estar enganado.

É que desde o Verão 2008 até hoje, tudo mudou: a crise veio para jantar e pediu sobremesa. Só em Lisboa, fechou o Omnia, o Vírgula e, segundo consta, saiu o chéf Fausto Airoldi do Pragma Casino Lisboa. Há mais: Miguel Castro e Silva abandonou o projecto impessoal do Bull & Bear no Porto e o sérvio Ljubomir Stanisic fechou o 100 Maneiras em Cascais para o reabrir (com mesmo nome) no antigo espaço do Olivier, no Bairro Alto. Fui com o meu amigo Rui Tendinha, no dia dos namorados (somos ambos do contra) e gostei – mas com algumas reservas. Terei um dia de voltar ao 100 Maneiras para experimentar uma refeição normal sem pétalas de rosa na mesa. É que o amor tende a estragar o apetite que se exige para a grande aventura celibatária do bem-comer.

(Publicado no Jornal Metro de 5 Março 2009)

6 comentários:

margarida disse...

Estupendo. Trouxe o jornal 'desviado' de uma incauta qualquer lá do trabalho, porque tem a tendência a esgotar (!!!!!).
Imperdíveis, as suas crónicas.
E o Sherman.
Miguel..., e uma colectânea dos textos, não?...

Miguel Somsen disse...

A bem do ambiente, temos de poupar papel. O meu papel é este: jamais publicar. A não ser que se crie uma petição online com pelo menos 5 signatários. Nessa altura, tornar-se-á inevitável o sacrifício do papel.

Anónimo disse...

Caro Miguel Somsen,
Escrevo-lhe do Bocca. Li a sua crónica e agradeço muito o seu voto de confiança mas é claro que fiquei preocupado com a situação reportada. O prato em questão é um carpaccio de pato, propositadamente fino, no qual depositamos muita confiança. Posso-lhe assegurar que continuamos a ter a mesma qualidade que tínhamos na altura em que cá esteve, de qualquer forma, tenho todo o interesse em esclarecer melhor o sucedido. Assim sendo, teria todo o prazer em convidá-lo a si e ao seu amigo a virem jantar ao Bocca. Por favor, se possível, contacte-me para pedro.freitas@bocca.pt.

Cumprimentos,

Pedro Freitas

P.S. Peço desculpa utilizar este meio para lhe escrever mas não encontrei outro meio de chegar a si.

Anónimo disse...

Não sei porquê, tenho a sensação de que conheço este teu amigo... Deve ser de algum sinal STOP.

Anónimo disse...

"Miguel Castro e Silva abandonou o projecto impessoal do Bull & Bear no Porto"... a sério?!? Impessoal nada, era bem pessoal e o Miguel investiu corpo, alma, rios de dinheiro e anos de vida no Bull & Bear. [Um restaurante fantástico, diga-se] Onde é que ele está agora?

Anónimo disse...

Os rumores dizem que vai abrir um restaurante próprio em Lisboa.