Esta semana, Mourinho veio a Portugal receber o honoris causa pela Faculdade de Motricidade Humana. Imediatamente surgiram uns peludos a querer desviar as atenções mediáticas do special one, mencionando a injustiça que foi antes de Mourinho não terem sido destacados Jesualdo Ferreira ou Carlos Queiroz.
Admitindo que Mourinho tenha sido a melhor exportação de Portugal para o estrangeiro dos últimos 20 anos (no seu caso, a motricidade é mesmo uma faculdade), parece-me que a nossa melhor produção interna continua a ser a inveja. Essa vadia tem muito mais de 20 anos, e é personalidade gregária para competir com um belo Porto vintage.
Vinte anos são vinte anos, que é quase metade de 35, os anos da Revolução de Abril. Onde é que você estava? Desde 1974 até hoje já contabilizamos duas gerações incompetentes (sendo que a primeira culpabilizou a segunda), e pelo menos três ideologias aos “ésses”: os ressacados de esquerda, desde Abril até à morte de Sá Carneiro; a burguesia pato-bravo, em vigor desde a entrada na CEE até à queda de Cavaco ou fim da Expo 98; e a esquerda-caviar, a bronzear-se no poder desde que o PS de Guterres ganhou as eleições, no século passado. Quando exactamente? É fazer as contas.
E o que criou Portugal de sucesso nos últimos 20 anos? O que enche de orgulho os portugueses, para além de Mourinho e Cristiano Ronaldo? O que vai sobreviver para contar a história recente, e quem a vai contar? O Miguel Esteves Cardoso no jornal Público?
Costumo fazer esta pergunta aos amigos e familiares, para que sejam eles a preencher os espaços de memória criados pela minha amnésia auto-infligida. Alguém me disse: “Sumol. Mas apenas até decidirem criar o sabor laranja-chocolate”. Concedo, mas a Sumol já existe há mais de 20 anos, portanto não vale.
O que vale? O jornal Público, O Independente, a SIC Notícias, a Y Dreams, a TSF, a Subfilmes, a Expo 98, os Gift, a Via Verde, o Multibanco, o Herman José, o Paulo Branco, a Super Bock e a Sagres, a discoteca Lux, a Moda Lisboa, o Ricardo Araújo Pereira, a Radar. Não, a Catarina Furtado não.
Gostaria de incluir a FNAC, o Corte Inglés, a revista Time Out e o próprio jornal Metro, mas trata-se de franchise internacional, e apesar do sucesso na aplicação ao mercado e cultura locais, não contam para este escrutínio.
Quem conta? O Saramago, a Mariza, a Paula Rego e o Manoel de Oliveira são grandes embaixadores internacionais lá fora. Mas, para muitos dos portugueses, eles falam outra língua, e por isso não “comunicam”. Quem comunica, o Abrunhosa, o Reininho, os Buraka? Eles representam apenas as “franjas” de mercado e estamos carecas de o saber.
No fim da história, sobra apenas Mourinho. Pelo génio, espírito e insolência, ele representa aquilo que este país gostaria de ser quando fosse grande: maior. Ou apenas “o maior”.